Portugal Colonial - Perto do 'front' na Ucrânia, a plataforma das lágrimas do trem 712

Perto do 'front' na Ucrânia, a plataforma das lágrimas do trem 712
Perto do 'front' na Ucrânia, a plataforma das lágrimas do trem 712 / foto: Genya Savilov - AFP

Perto do 'front' na Ucrânia, a plataforma das lágrimas do trem 712

Com um buquê de rosas nas mãos, o soldado Yuri sobe ao trem para abraçar sua mulher que chega de Kiev para visitá-lo no leste da Ucrânia, perto do "front", onde combate.

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Ele tem 56 anos. Sua esposa, Vira, 49. Mas, na plataforma 4 do terminal de Kramatorsk, caminham como dois jovens amantes.

Vira tomou pouco antes da sete da manhã o trem interurbano número 712, a conexão diária entre Kiev e essa cidade do Donbass, a 25 quilômetros de um dos "fronts" mais ativos da guerra.

Depois de sete horas de viagem, o casal se reencontra, com emoção. A última vez foi no verão.

"As lágrimas me saltam aos olhos (...) Hoje é o aniversário de Vira. É um presente, está tudo perfeito", diz, jovialmente, este grandalhão, de boné e uniforme camuflado, mobilizado na Defesa Territorial.

Como muitos casais separados pela guerra que se reencontram por um curto período de tempo em Kramatorsk, Yuri e Vira alugaram um apartamento na cidade.

"Ele tem três dias de folga. Acaba de voltar do 'ponto zero', como chamamos a última posição antes do inimigo", conta a esposa, vestida com uma elegante peça de lã bege.

- "Muito perigoso" -

Andriy, de 36 anos, desembarca sozinho do mesmo trem. Sua esposa acompanhou-o até a estação de Kiev, onde se abraçaram longamente antes de se despedirem.

Integrante da 66ª brigada mecanizada, o soldado retorna de 15 dias de férias. Sua última licença foi em junho.

O casal tem um filho pequeno e ele não quer que sua esposa vá para Kramatorsk, porque "é realmente muito perigoso".

"Não sei mensurar como é difícil" se despedir, diz o soldado.

"Vai demorar três, quatro dias para me adaptar. É parecido com a minha esposa", acrescenta.

Do trem, descem outros homens uniformizados que ocupam, principalmente, os vagões de primeira classe. Eles retornam ao "front" após curtas licenças, de treinamentos, ou de tratamentos médicos.

O comboio vai lotado, também com civis. Eles vêm visitar amigos que ficaram na região, ou são deslocados que voltam por alguns dias para cuidar de suas casas.

Após uma hora de pausa, o trem parte novamente, mais uma vez cheio, de volta à capital, aonde chega depois das nove da noite.

Cidade industrial e importante entroncamento ferroviário, Kramatorsk, que tinha 150.000 habitantes antes da guerra, é alvo regular dos bombardeios russos.

Em 8 de abril de 2022, um míssil caiu sobre a estação repleta de civis prestes a serem retirados, deixando 61 mortos e mais de 160 feridos.

A plataforma 4, onde o trem 712 estaciona, é protegida em ambos os lados por vagões carregados de areia.

Sob um reconfortante sol de outono no final de outubro, Vania, de 26 anos, abraça sua esposa, Ilona, para um último adeus. Soldado de assalto, ele combate perto de Bakhmut há um ano.

"O apoio de uma pessoa próxima é importante. Isso me motiva mais", afirma o militar.

"Não é como quando a gente chega, que você sabe que vai ficar cinco dias com sua mulher. Agora estou triste", completa.

"Não importa como eu volte (da guerra), sem braço, sem perna, louco... Sei que ela estará sempre comigo", afirma o jovem, que não quer informar o sobrenome, assim como outros soldados.

- "Deixo meu coração" -

Ao lado, Serguiy abraça Kateryna, que não consegue conter as lágrimas antes de embarcar no trem. Ela passou dois dias com o marido, um cientista da computação de 34 anos inscrito em uma brigada de assalto.

As portas se fecham. Os soldados esperam na plataforma até a partida do trem, mandando beijos com as mãos para a esposa, ou a namorada.

"Tenho a impressão de que, quando venho vê-lo, voo na direção dele com asas, quero apertá-lo em meus braços e nunca mais deixá-lo ir", desabafa Kateryna, de 32 anos, enquanto o trem volta para Kiev.

"Quando vou embora, deixo meu coração para que o proteja constantemente", continua, entre soluços.

A alguns assentos de distância, Alina, de 23 anos, pôde ver por apenas 24 horas seu namorado, um engenheiro aeronáutico de 29 anos, lotado no quartel-general. Estão juntos há apenas um ano.

Empregada na indústria médica, ela mora em Poltava (centro), uma das oito paradas do trem 712, a apenas três horas de Kramatorsk.

"Só consigo vir uma vez por mês e apenas por um dia. Se pudesse vir por apenas cinco minutos, viria do mesmo modo", afirma, com um olhar triste.

"É como se alguém te desse um doce e retirasse em seguida", suspira.

E.Borba--PC