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'Virar as costas' para a ONU seria 'irresponsável', diz embaixador da Ucrânia
A ONU tem falhas e um Conselho de Segurança "desacreditado", porém "dar-lhe as costas" seria "irresponsável", afirmou, na quinta-feira (27), o embaixador da Ucrânia na organização, que destacou o peso das resoluções da Assembleia Geral condenando a invasão russa.
A Organização das Nações Unidas "claramente não é perfeita. O projeto das Nações Unidas não era perfeito quando se iniciou em 1945 e inclusive antes", disse Sergiy Kyslytsya em entrevista à AFP.
"Realmente não deveríamos fazer ilusões sobre as Nações Unidas. Isso é certo. Por outro lado, temos uma alternativa às Nações Unidas? Não", acrescentou.
Kyslytsya citou as muitas resoluções na Assembleia Geral que pedem a Moscou que retire suas tropas da Ucrânia. Na última votação, ao completar o primeiro aniversário da invasão de fevereiro de 2022, 141 países votaram a favor, sete contra e 32 se abstiveram.
"Foi um golpe muito duro para a Rússia, que já estava divulgando esta narrativa de que o mundo estava cansado, de que o mundo havia perdido interesse nessa guerra", disse.
Apesar desse apoio ao seu país, Kyslytsya fez uma avaliação das deficiências da ONU, ainda que se mostre otimista.
"A postura mais fácil, mas também mais irresponsável, é virar as costas para as Nações Unidas", insistiu, e descreveu o organismo como um mistura "de diferentes culturas, tradições (e) sistemas políticos" que devem trabalhar juntos.
"A Assembleia Geral e seus Estados-membros são um retrato do mundo como ele é; pode ser que não gostemos, mas assim é o mundo", disse.
"E se França, Ucrânia e outros países querem melhorá-la, não é possível usar Photoshop, é preciso trabalhar diretamente com cada país e com grupos de países. É muito difícil", acrescentou.
Desde o início da invasão russa, Ucrânia e seus aliados impulsionaram a adoção, por parte da Assembleia Geral, de várias resoluções condenando Moscou.
Os ucranianos acompanham de perto os debates na ONU cada vez que os enviados falam sobre a invasão russa.
"Não creio que haja nenhum outro país no mundo atualmente que ouça com tanta atenção o que é dito na Assembleia Geral ou nas reuniões do Conselho de Segurança", disse Kyslytsya.
- Não é "o paraíso" -
A Rússia, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, tem poder de veto e bloqueia qualquer iniciativa sobre a Ucrânia neste órgão de 15 membros.
Ainda assim, grande parte do trabalho da ONU avança a bom ritmo, considerou Kyslytsya, destacando, ainda, a importância das outras agências da ONU, como o Alto Comissariado para os Refugiados (Acnur).
No entanto, o fato de a Rússia ocupar atualmente a presidência rotativa do Conselho durante um mês, até o domingo, representou "um duro golpe" para a imagem da ONU, lamentou o embaixador.
Ele citou a "corrupção moral total" de um sistema que permite ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, presidir uma reunião sobre a defesa dos princípios da carta de fundação da ONU.
"Isso me enojou, mas me acostumei a (ficar) enojado", enfatizou Kyslytsya. "Quero dizer, este lugar é cheio de hipocrisia. As Nações Unidas são um lugar muito tóxico. Não são um pedaço do paraíso".
Mas o embaixador ucraniano disse que "mesmo que o Conselho de Segurança esteja tão profundamente desacreditado...Isso não significa que toda a organização falhou".
Ele elogiou "o sucesso do secretário-geral", António Guterres, ao chegar a um acordo sobre a exportação de grãos ucranianos pelo Mar Negro.
Kyslytsya descreveu Guterres como um chefe da ONU com "padrões morais e dedicação muito altos".
Em relação à criação de um tribunal especial para julgar os responsáveis pela invasão russa, fica aberta a questão se ocorrerá ou não através da ONU. Até alguns meses, a Ucrânia defendeu uma resolução da Assembleia Geral.
Hoje "as discussões continuam", indicou o embaixador.
"Se recorreremos à Assembleia Geral ou encontraremos outro caminho, essa é uma questão importante. Mas essa não é a essência. A essência é como (a Rússia) deve ser responsabilizada pelo crime de agressão" contra a Ucrânia, disse Kyslytsya.
Independentemente do andamento do assunto, “nunca devemos permitir que fracasse”, disse o diplomata.
L.Mesquita--PC